O beijo, de Diego Gianni


Todos sabem que sou fã do escritor Diego Gianni,independente de qualquer laço que nos una....estou postanto hoje um dos milhares de textos que ele escreveu...achei lindissimo..e segue pra voces.

beijo

O tempo parou. Assim. O ônibus estava a distância de um nariz do seu corpo. A sua volta, pessoas paralizadas com mãos sobre a cabeça e rostos assombrados. Ao mesmo tempo, uma única pergunta passava pela sua cabeça:

- Por que eu ainda não morri?

Naquele cenário prá- morte, além dele, só uma coisa estava em movimento, e foi isso que lhe chamou a atenção. Era uma mulher.

- Não sou uma mulher. - corrigiu ela, como se tivesse lido o pensamento dele. - Vim te buscar.

- Mas... - balbuciou o pobre coitado. - ...mas eu ainda não morri...

- Vai morrer assim que o tempo voltar. Olhe para este ônibus. Não tem como você desviar dele. Dito isso, ele até tentou correr, mas seus pés estavam grudados no chão. Ela sorriu com pena nos olhos, falou com carinho:

- Acha que é tão fácil assim? Olhou assustado para a mulher, ou o que quer que ela fosse. Uma coisa era certa: alguém com o tamanho poder de parar o tempo lhe assustava. Seria a morte? Seria o diabo? Seria um anjo? Ela parecia um anjo. -

Me diz - sussurrou com receio de perguntar. -...não mereço uma segunda chance?

- Não é assim que funciona.

- Mas não é justo! Por que eu tenho que morrer assim?

- Não complique as coisas. Você foi inventar de atravessar a rua ouvindo música com fones no ouvido. Não viu o ônibus. Sinto muito.

- Eu não quero morrer!

- Não tenha medo. Será rápido. O ônibus vai esmagar seu crânio.

Olhou com pavor para o ônibus, depois para ela.

Não tenha medo? Não tenha medo?

- Eu não entendo! Se eu vou morrer de qualquer jeito, por que esta conversa? - Eu faço isso de vez em quando. Você sabe...pra preencher o tédio.

Não era um anjo. Definitivamente não era um anjo.

- Tudo bem. - disse resignado. - Mas há uma coisa que quero fazer antes. Posso dar alguns passos em direção a você?

Ela aceitou sem retrucar. Se a intenção dele era fugir, iria perder tempo. Ninguém podia fugir dela. Ele se aproximou para fazer algo que nunca tinha feito, e também para fazer algo que ela nunca tinha recebido. Ele beijou os lábios dela.

Eu não disse antes? Ele era um menino. Doze anos, pobrezinho. Ela olhou espantada para ele. O garoto voltou para seu lugar, o lugar que ia morrer, chegou a ver ela sorrir antes de estalar os dedos, mas não saberia dizer se foi um sorriso de felicidade. Então o tempo voltou.

Uma senhora na calçada gritou:

- Cuidado menino!

O moleque, atônito, viu o ônibus e saltou com tudo para o lado. Não morreu por um triz.

- Você está bem? - as pessoas perguntavam. Estava. Estranhamente bem. Não tinha como ele ter se desviado do ônibus, mas estava vivo. Meses depois ele beijaria uma menina pela primeira vez, sem saber que não era a primeira vez. Já havia beijado a morte nos lábios.

Ela, muito grata, retribuiu da única forma que podia: Com vida.

Só lamento pela menina, a primeira namorada do garoto.

Ela não tinha como saber as duas coisas que lhes digo agora:

A morte estava apaixonada... ...e estava morrendo de ciúmes.

Diego Gianni

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