PROJETO ORIGEM espetáculo de dança traz para o palco os movimentos migratórios
O espetáculo Projeto Origem parte de registros que deixamos por onde vivemos, inscritos e escritos, que pulsam no espaço, no outro e no próprio corpo ao atravessar as fronteiras do que se imagina ser e mergulhar na experiência de se recriar em um novo território.
"Ao longo de todo o projeto tivemos uma grande preocupação de conhecer esses artistas e trabalhar a partir do conhecimento de dança, de trabalho corporal e desejos artísticos que eles traziam. É muito interessante criar a partir das diferenças, pois são pessoas de diferentes origens, com pensamentos, cultura e a própria relação com o corpo bem distintas. A partir de estudos biográficos e ficcionais, parte do espetáculo foi criado pelo próprio elenco e eu, como diretora, fui tateando o que havia em comum a estas pessoas. Projeto Origem não pretende espetacularizar essas narrativas, mas aposta numa cena como lugar de acontecimento que aborda a mistura.", disse a diretora e coreógrafa Patrícia Machado.
Para Franscisco Rodriguez, imigrante venezuelano que vive em Curitiba há quatro anos, conhecer o projeto foi de extrema importância, pois pode retomar junto com sua esposa o contato com a arte e com a dança. "Na Venezuela fazia dança tradicional e folclórica, além de estudar teatro e dramaturgia, e muito dessa vontade de estar ligado às danças folclóricas, é por eu ter uma herança afro-indígena. E desde imigração eu acabei me afastando das artes, pois como todo o imigrante temos que correr atrás de trabalho para poder sobreviver, e ter a chance de poder trazer toda a minha família para o Brasil. Fico muito contente por fazer parte do Projeto Origem, pois é uma oportunidade onde eu como imigrante encontrei para ter novamente contato com a arte, e de alguma forma contar as nossas histórias",comentou Francisco.
Cassandre Pierre, vinda do Haiti, país do Caribe que enfrenta problemas políticos e socioeconômicos, ficou sabendo das audições através de um grupo de WhatsApp, e viu como uma oportunidade de ter contato com a dança novamente. "Desde a minha infância, sempre gostei da arte e da música. São ferramentas de expressão corporal e emocional que me ajudam a estabelecer o equilíbrio em meus pensamentos e sentimentos, E estar no espetáculo e poder mostrar a minha relação com a dança de uma maneira autêntica é muito bom", disse Cassandre.
O projeto entrará em curta temporada de 1º de novembro a 31 de outubro a 12 de novembro, no Teatro Zé Maria Santos, com apresentações de terça a domingo com ingressos gratuitos. O espetáculo de dança inédito, aborda o conceito de "mundialidade" de Edouard Glissant, que investigou o que há de poético nos êxodos humanos. A partir daí nasce a montagem, apoiada no conceito de fazer junto, buscando na pedagogia de fronteira, o estético e o ético presentes na necessidade de aprender, criar e inventar um conceito de humanidade por vir. Ao lançar luz em um processo artístico, a proposta inclui criações de bailarinos brasileiros e artistas em situação de migração e refúgio que juntos dividem a cena.
Como nasceu o Projeto Origem?
Origem é um projeto da coreógrafa Patrícia Machado, que há bastante tempo vem estudando práticas artísticas junto a pessoas em situação de deslocamento forçado, como migrantes, refugiados e apátridas. O start do projeto surgiu em 2017, quando Patrícia guiou uma residência artística com bailarinos do Teatro Guaíra, onde propôs um trabalho em parceria com o Trio Alma Síria, composto por artistas refugiados vindos de Allepo. E essa vontade surgiu após ter passado alguns anos trabalhando com dança em outros países, e sentindo na pele o que é ser uma migrante. "Com 17 anos ganhei uma bolsa de estudo em uma companhia de dança em Portugal e durante sete anos, morei em diferentes países, passando a trabalhar em companhias oficiais de dança. Entre um contrato de trabalho e outro, eu me via em situação ilegal de pertencimento no país. Ser imigrante durante esse período e me perceber como pessoa ilegal em parte dele, me trouxe incômodos e questionamentos sobre os corpos em trânsito e em situação de deslocamento forçado. De que forma criar sensação de pertença em ambientes onde sua identidade é negada? Criar estratégias artísticas pedagógicas em diálogo com políticas de existência neste contexto de não pertencimento se tornou um impulso aos meus trabalhos. É evidente que existem diferenças entre estar imigrante e estar refugiado e inúmeros são os motivos que levam uma pessoa a deixar seu país, como guerra civil, catástrofes naturais, conflitos religiosos, entre tantos outros.
Mas foii a partir daí, que essa temática do não pertencimento começou a chamar minha atenção", comentou a criadora do projeto.
O espetáculo surgiu do desconforto de ser e viver como imigrante, chegar em um novo país e não falar a língua e muitas vezes não ter nenhum acesso à políticas de acolhimento. Já de volta para o Brasil, Patrícia passou a trabalhar voluntariamente em Curitiba com grupos que recebiam imigrantes, e percebeu que quando trabalhava com práticas artísticas e performativas, existia ali uma política de pertencimento, que funcionava muito mais do que qualquer outra política.
"Realizamos uma audição com pessoas interessadas em processos artísticos com dança. Então as pessoas que participaram do chamamento já trabalhavam com dança de alguma forma em seus países de origem mas que, quando chegaram ao Brasil, por conta de outras mil questões econômicas e sociais, não conseguiram dar continuidade a essa prática artística. No elenco estão imigrantes de países que mais chegam atualmente no Brasil, que são venezuelanos, haitianos e sírios", lembrou Patrícia.
"O público pode esperar um espetáculo feito por gente. No palco, uma ruptura e questionamento do que seja uma identidade raiz, aquela que congela e violenta o diverso, mas um lugar de acontecimento desses trânsitos culturais, afetivos, sociais, sensoriais nessa simples e complexa ação de juntar e desjuntar histórias e narrativas de pessoas tão distintas e ao mesmo tempo parecidas", encerrou Patrícia.
Sobre Patrícia Machado
Patrícia Machado é bailarina, coreógrafa, performer e artista docente. Tem formação em Dança pelo Institut del Teatre de Barcelona, Espanha, mestrado em Mediações Educacionais em Artes, pela UNESPAR, e é doutoranda em Pedagogia das Artes Cênicas, na UDESC. Atuou na Leine and Roebana Dance Company – Amsterdam, It Danza Joven Compañia – Barcelona, CEDECE – Companhia de Dança Contemporânea – Lisboa e no Balé Teatro Guaíra, Curitiba. Interessada na causa do refúgio e migração, desde 2016 desenvolve trabalhos coreográficos e performativos com a temática. É idealizadora e colaboradora de diferentes projetos na transversalidade da arte e educação como o Criança que Dança Haiti e o Visita Guiada e co-fundadora do Coletivo Nós em Traço, grupo de artistas interessadas em alternativas para arte e educação através do diálogo entre o corpo, movimento e traço.
FICHA TÉCNICA
Criação e Direção: Patrícia Machado
Dramaturgia: Laura Haddad
Colaboração artística: Ane Adade e Maira Lour
Dançado e criado em colaboração por:
Ane Adade
Anamile Bolívar (Venezuela)
Cassandre Pierre (Haiti)
Francisco Rodriguez Tayupo (Venezuela)
Guille (Venezuela)
Myria Tokmaji (Síria)
Nayara Santos
Romec
Vitor Rosa
Cenografia: Fernando Marés
Iluminação: Anry Aider
Figurinos: Eduardo Giacomini
Sonoplastia: Sérgio Justen
Designer Gráfico: Pablito Kucarz
Assessoria de Comunicação: Vanessa R Ricardo
Registro Videográfico: Gabriel Guerreiro e Daniel Garcia
Registro Fotográfico: Gus Benke
Produção: Duplo | Flavia Vogue
Realização: Patricia Machado
Incentivo: Ebanx
Projeto realizado com recursos do programa de apoio e incentivo à cultura - Fundação Cultural de Curitiba e da Prefeitura Municipal de Curitiba.
SERVIÇO:
QUANDO: De 01/11 a 12/11. Terças,Quartas, quintas e sextas às 20h | Sábados e domingos às 18h e às 20h.
ONDE: Teatro Zé Maria (Rua Treze de Maio, 655, São Francisco)
Classificação indicativa livre | Duração 50 min | Ingressos gratuitos | A bilheteria abre 1h antes